A difícil arte de voltar – Desabafo de uma brasileira em depressão pós-viagem

SalaVip

Quase seis meses na Europa… Esperando meu vôo em Londres, tentava mais uma vez decifrar aquele aperto na boca do estômago. Ou seria no plexo solar? Era hora de voltar. Voltar para o Brasil. E encarar a outra realidade. Sim, porque tenho duas realidades. Uma lá, outra cá. E a realidade brasileira, neste conturbado e festivo (?) momento, só fazia a tal sensação de vazio na boca do estômago subir até a garganta, onde um nó se formava. Voltar para o Brasil…

Eu sei. Depois de sete anos indo e vindo, já deveria estar acostumada. Já deveria ter construído mecanismos de defesa. Mas não. Cada vez que volto e preciso encarar a outra realidade que me espreita, sinto uma dor maior que a anterior. Meu país vem se deteriorando… E me envergonhando cada vez mais.

Choque 1 – Desembarque e conexão em Guarulhos

A nossa companhia (literalmente) aérea Tam, não faz mais vôos diretos Rio-Londres. Nem Londres, nem Rio-nenhuma capital da Europa. Como consequência e castigo, o feliz habitante da cidade maravilhosa é agraciado com uma conexão em Guarulhos. Chegar ao Brasil por Guarulhos é a visão do inferno! Depois de descer do avião em plena pista, e sermos entuchados em um ônibus,  somos desovados numa espécie de curral, onde uma fila de mais de 15 voltas se forma para a imigração. Ok. Até aí, filas para imigração são normais em qualquer país. O pior está por vir:  A  C O N E X Ã O.

Guarulhos

O nome sugere algo conectado, ligado. Pura ilusão! Depois de esperar sua mala na esteira, estrebuchando de calor, você tem a quase impossível tarefa de procurar o guichê da Tam para fazer um novo chek in. Sem nenhuma informação ou sinalização, na base do pergunta aqui e alí, empurrando seu carrinho com uma roda vesga, você vê uma fila gigantesca, e pergunta mais uma vez a um pobre passageiro, e ele responde:

Acho que sim. Por via das dúvidas… fica na fila.

40 minutos depois, aparece um rapaz da companhia e pergunto de novo:

-É aqui a fila para a conexão de vôo internacional para o Rio?

-Não senhora! O check in para o Rio é no primeiro andar.

Metade da fila se desloca. Já em adiantado estado de desespero, espumando de ódio, repito toda a operação investigativa para chegar ao guichê no primeiro andar, onde o que eu mais temia aconteceu:

-Não senhora, o seu chek in é no térreo (onde eu estava há 40 minutos!!!).

Neste momento, três neurônios se desconectaram no meu cérebro e armei um pequeno, mas eficiente barraco. Consigo então fazer o check in neste mesmo guichê. (Seria puro sadismo dos atendentes?) Vou imediatamente para o portão de embarque 1, no subsolo, que se desdobra em 1a, 1b, 1c… 200 (ou seriam 300??) pessoas se acotovelam. Crianças, idosos, senhoras com sacolas de supermercado, dutyfree, e bolsas de griffe suam. Os vôos são anunciados aos gritos, como em um ponto de van. Perto do horário do meu embarque pergunto:- O vôo 36XX atrasou?

-Não senhora! Mudou para o portão 5, no primeiro andar, final do corredor.

Quase desfalecendo, subo correndo as escadas (escada rolante? só para descer!), e parecendo uma maratonista suada e descabelada, sou a última passageira a entrar no avião lotado e meu assento está ocupado. Neste momento, eu compreendo como começa um ataque de fúria.

*Obs: São Paulo é a sede da abertura da Copa. É daqui que os turistas vão se deslocar para os outros locais de jogos. Que ótima impressão vamos deixar…

*Obs 2: O Galeão (aeroporto internacional do Rio de Janeiro) não está em melhores condições que Guarulhos. Mas pelo menos o tempo de permanência nele, para quem mora na cidade é curto.

Choque 2 – Telejornais

Eu sei. Com o tempo vou estar novamente banalizando. Mas ainda está sendo duro de assistir ou ler os jornais. Mandar goela abaixo o escracho que este país vive, está por enquanto, muito, mas muito difícil! Preciso etapear meus sentimentos. Etapear, segundo o presidente da Infraero, é ir por etapas…

“Presidente da Infraero reconhece atraso e fala em ‘tapear’ obra

Gustavo do Vale reconheceu o atraso do Aeroporto de Confins e disse, nesta terça, que usou o verbo tapear quando, na verdade, queria dizer etapear.”

Meus primeiros dias foram recheados com a Favela da Oi, a decadência da Petrobrás, roubo de uma correntinha na frente das câmeras durante uma entrevista, o resultado assustador das pesquisas para as eleições, e… Valesca Popozuda. É a treva!

Tesco - supermercado em Edimburgo, Escócia

Tesco – supermercado em Edimburgo, Escócia

Choque 3 – Supermercado

Voltar a um supermercado brasileiro depois de meses, é mais do que um choque cultural e financeiro. É a constatar a verdade: uma nota de cem reais vale na realidade, 24. A inflação galopante de abril, claro, foi “causada” pela estiagem, segundo nossa Presidenta, e no Rio de Janeiro, óbvio, foi a maior do país.

Onibus Edimburgo

ônibus em Edimburgo – solução simples para os cadeirantes.

Choque 4 – Transporte

Constatei que nada mudou. E pelo menos no Rio, piorou. Neste post, contei como soluções simples, fazem do transporte público em Edimburgo, um exemplo que poderia ser seguido. Ontem presenciei um cadeirante tentando pegar um ônibus, e fiquei chocada. O elevador estava emperrado, o motorista teve que saltar, e todos no ônibus começaram a reclamar do atraso. Na Praia de Icaraí, a zona mais chic e rica de Niterói. Triste e vergonhoso. Isso sem falar que seu ônibus pode ser incendiado por “manifestantes”. Ah mais isso, faz parte do choque 5.

Choque 5 – Segurança

Houve um curto espaço de tempo em que me arriscava a atender o celular dentro de um ônibus ou tirar uma foto no meio da rua. Assim que cheguei, o pessoal aqui do meu prédio avisou que todos os bandidos que foram temporariamente banidos pelas pacificações no Rio de Janeiro estão em Niterói. Sempre devo observar se tem alguém atrás de mim ao entrar no prédio. E os roubos de celulares aumentaram vertiginosamente na cidade desde o ano passado.

O pior é se sentir só. Como se só você estivesse estranhando tudo o que te cerca. O mundo à minha volta, as pessoas andando na rua, estão levando suas vidas normais. Ninguém parece chocado ou enfurecido com o que está acontecendo.

É… Minha depressão pós viagem está em níveis pós apocalípticos. Na realidade, é a triste constatação que, pelo menos até a próxima viagem, preciso aceitar que sou brasileira.

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18 comentários em “A difícil arte de voltar – Desabafo de uma brasileira em depressão pós-viagem

  1. Viajei bem menos que você mas me identifico com sua sensação, a primeira vez que senti isso não consegui identificar o que era. Você já pensou em imigrar para um dos seus países favoritos ?
    Eu pretendo imigrar, só estou esperando a aposentadoria, antes não é possível.
    Boa sorte !

  2. Olá! Tudo bem!? Vivi a mesma coisa e sinto a mesma coisa.. o problema que só quem viveu (não digo fazer turismo não) só quem viveu a diferença consegue verdadeiramente entender..

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  5. Foi quase que me ver em sua pele ao imaginar tudo que você passou em seu retorno.
    Chorei ao ver que o seu relato é o mesmo do meu, a diferença é que estou aqui a quase 2 anos e sinto cada vez mais meus sentimentos aflorarem…Já não sei mas lidar com isso.
    Tento disfarçar para as pessoas mas minha vontade é de fugir daqui, mesmo estando ilegal em outro país, ou até mesmo saber que ele está em crise.

    Era uma pessoa hoje sei que sou outra… As vezes me olho e sei que estou perdida, mas de mãos atadas sem poder mudar minha situação

    • Ah Josiane! Esse sentimento é difícil de enfrentar. Ainda mais agora, em plena época de eleições quando somos obrigados a assistir tudo outra vez, como se tudo que não está certo não fosse culpa de quem quer se reeleito! É tudo tão triste e vergonhoso!

  6. Parabéns Celina, você é fantástica. Eu amo visitar seu blog e ler suas postagens, é como se eu estivesse vivendo tudo isso!

  7. Me identifiquei muito com sua postagem, e olha que minha ultima viagem pra fora foi há cerca de um ano e meio… nem preciso sair daqui pra sentir esse desespero de morar num país onde parece que absolutamente tudo está errado!
    Se estivesse no seu lugar ainda seria grata por poder passar alguns meses por ano longe! E eu que (mesmo com cidadania portuguesa) não posso ($$) passar quase nem um mês por ano em outro país, que dirá consiguir uma oportunidade de ir embora de vez!!!

  8. Entendo totalmente a sua situação. Quando voltei de viagem fiquei deprimida demais. Não me identifico em nada com o Brasil. Minha sorte que estou tirando a dupla cidadania portuguesa. Difícil viver no Rio de Janeiro. Mas vamos falar de coisas boas! Adorei seu blog! Suas dicas são ótimas! Beijos

      • Oi, Celina! Seu blog me deu uma tremenda luz sobre o que usar no inverno em Londres. Pretendo passar o ano novo lá e ficar mais uns 15 dias e meu namorado e eu estávamos perdidos no quesito vestuário. Posso dizer que sua postagem sobre o assunto foi a mais “pé no chão” que eu li. E também a mais prática. Acompanharei sempre!

        Beijos

  9. Aiiiii, moro em Fortaleza, e aqui o caos é muuuuuuuuuuuuito maior! Nosso país está cada vez pior! Sei muito bem o que é esse choque de realidade. Sempre que saio do país sinto ‘isso’ que descreveu! A vontade é ir embora e nunca mais voltar. Bjos Adorei seu blog.

  10. Compreendo você, pois passo por essa TPV toda vez que volto de uma viagem. É choque térmico, cultural, etc. E tudo aqui consegue ficar pior. Vou fazer conexão em Guarulhos porque a Air Canadá não passa por Salvador. Mas vou me libertar dessa bagunça e sair direto da minha cidade para Toronto via AA, já que agora tenho o visto americano. Espero nunca mais ter que passar por “Bagulhos”!!

  11. Identifiquei-me demais com o relato até pq somente agora começo a refazer-me de ter q enfrentar a dificuldade q eh viver no Brasil. Só discordo quando vce afirma que ” fila de imigração é igual em qualquer lugar”. Não e não! Chegar no aeroporto de Changi e passar pela imigração é rápido e o passageiro já vai tendo uma bela impressão do que vai encontrar no pais. NOTA DEZ!!

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